Por Murilo Garavello
Matéria publicada no UOL
Lei Agnelo-Piva aumentou em até dez vezes o orçamento das confederações olímpicas; nem para ir a Sydney-2000 esportes tiveram tanto dinheiro para gastar.
Cena bastante comum em competições internacionais: cabeça baixa, derrota estampada no rosto, o atleta brasileiro procura explicações para seu fracasso. Ao fundo, a euforia dos vencedores e o hino de outro país no pódio. Nos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo, que começa no dia 1º de agosto, ao menos uma das justificativas-padrão para esses fiascos não vai ter a mesma força: a falta de incentivo ou de dinheiro. “O esporte brasileiro nunca recebeu tanto dinheiro”, afirma o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, ilustrando o novo estágio de desenvolvimento em que o desporto nacional alcançou.
Aprovada em julho de 2001 e implementada em janeiro de 2002, a Lei Agnelo-Piva destina 2% da arrecadação das loterias federais ao COB (85%) e ao Comitê Paraolímpico Brasileiro (15%). O COB retém parte da verba e repassa a maior parte às confederações -entidades de direito privado responsáveis pela administração das modalidades esportivas.
Em 2002, a lei garantiu uma injeção de R$ 19 milhões nas confederações. Em 2003, houve um aumento na arrecadação das loterias e, até 16 de julho, cerca de R$ 16 milhões já haviam sido liberados.
Se o efeito das verbas públicas é limitado em entidades fortes como a Confederação Brasileira de Vôlei -que em 2002 recebeu quase R$ 22 milhões de seus próprios patrocinadores-, em entidades pequenas, como a de taekwondo, e mesmo em confederações médias, como as de remo e ginástica, a história é bem diferente.
O dinheiro permitiu ao boxe formar uma equipe olímpica e pagar uma ajuda de custo mensal aos atletas. Propiciou ao badminton o aluguel de uma sede. O remo pôde importar três barcos e nada menos que 44 remos da Espanha para seus treinos. À canoagem, viabilizou o início da construção de uma pista de slalom para treinos em Macaé (RJ). O tiro com arco, enfim, teve condições de contratar um técnico em tempo integral.
“A Lei Agnelo/Piva mudou nossa realidade. A verba que recebíamos do ministério não podia ser usada para treinamento nem para estrutura ou apoio ao atleta. Só era liberada a viagem para a competição. A equipe se reunia no aeroporto”, conta Rodney Júnior, técnico da seleção de remo.
O impacto da lei fica visível na comparação dos recursos recebidos em 1999, no último Pan. Naquele ano, o Ministério dos Esportes e Turismo (hoje Ministério dos Esportes) repassou, em média, pouco mais de R$ 90 mil a cada entidade. Em 2002, somados os recursos da Lei Agnelo/Piva às verbas do Ministério, cada confederação olímpica recebeu em média mais de R$ 916 mil. Ou seja, a verba está dez vezes maior.
Dinheiro público injetado nas confederações olímpicas*
* Valores em reais
** Fonte: Ministério dos Esportes e Comitê Olímpico Brasileiro
*** Em 2003, o COB já liberou R$ 16 milhões para as confederações olímpicas
**** Bobsled e Ski/Snowboard também receberam verbas da Lei Agnelo/Piva
Em 1999, as confederações receberam do governo R$ 2,25 milhões e conquistaram no Pan-Americano 101 medalhas. Ou seja, cada medalha custou aos cofres públicos em média R$ 22.328. Contabilizando apenas os R$ 16 milhões liberados às confederações até julho de 2003 (pouco mais da metade do total previsto para este ano, de cerca de R$ 25 milhões), se o Brasil repetir o número de medalhas de Winnipeg, o governo terá desembolsado R$ 158.415 por cada medalha.
“Embora ainda seja cedo para começar a colher frutos desse investimento, com certeza as confederações puderam se preparar para Santo Domingo mais adequadamente do que para Winnipeg”, afirma Nuzman. “Mas ainda é cedo para projetar um aumento no número de medalhas, pois isso exige um trabalho de longo prazo, de 8 a 12 anos. Ainda assim, nossa meta em Santo Domingo é superar as 101 medalhas conquistadas no Canadá”.
Nem para a Olimpíada de Sydney-2000 as confederações receberam uma quantidade comparável de recursos. Entre novembro de 1999 e julho de 2000, o COB liberou -com verbas próprias, vindas de patrocinadores-, R$ 2,5 milhões para as 19 confederações que iriam aos Jogos na Austrália.
Sobrevivendo ao corte de verbas
Em 2001, Nuzman comemorou a aprovação da Lei Piva declarando que ela significaria a “alforria” do esporte brasileiro. As palavras foram proféticas: as verbas do Ministério dos Esportes, abundantes em 2002, entraram no contingenciamento ordenado pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva e sofreram um corte de 88,34% no início deste ano.
Assim, o Ministério, que teve participação decisiva na cobertura das despesas do COB para enviar o Brasil a Winnipeg-1999 e Sydney-2000, não vai colaborar desta vez. “Já houve descontingenciamento, mas de uma parcela muito pequena. A Lei Agnelo/Piva está evitando uma grande catástrofe no esporte brasileiro”, diz o diretor do Departamento de Esporte de Rendimento do Ministério dos Esportes, André Almeida Cunha Arantes.
Com a redução das verbas, em 2003 o Ministério cobriu apenas quatro despesas das modalidades: liberou R$ 125 mil ao tênis, R$ 38 mil ao takraw (uma espécie de futevôlei jogado com uma bolinha feita de bambu), R$ 10 mil ao futevôlei e R$ 70 mil ao hóquei sobre o gelo.