Análise notacional no jogo de tênis de mesa

Olá aos mesatenistas, técnicos e simpatizantes do tênis de mesa que frequentam o temp.mesatenista.net. Como falado na coluna anterior, acreditamos que os principais sistemas energéticos utilizados no jogo de tênis de mesa são os sistemas aeróbio e anaeróbio alático (ATP-CP). Assim, considero importante que os técnicos/preparadores físicos elaborem as sessões de treinamento técnico e físico ao longo do ano enfatizando esses metabolismos por dois motivos: a) reproduzir as demandas fisiológicas do campeonato no treinamento técnico, respeitando a especificidade energética da modalidade; b) desenvolver a aptidão aeróbia e anaeróbia do mesatenista de modo específico e orientado para obter êxito nas competições. Os mesatenistas que possuem melhores índices de aptidão aeróbia apresentarão maior capacidade de recuperação entre os pontos, o que desencadeará em menor desgaste ao longo de um campeonato. Sabendo disso, como podemos reproduzir as demandas fisiológicas da competição no treinamento?

Existem algumas maneiras de fazer essa aproximação entre competição e treinamento, sendo algumas mais caras (monitorando os treinos por meio das respostas de lactato sanguíneo) e outras mais baratas (monitorando os treinos pela frequência cardíaca). Contudo, hoje quero apresentar aos leitores um recurso que muitos de vocês já conhecem, talvez por outros nomes, chamado de análise notacional. É um método barato, porém trabalhoso, bastante útil para “copiar” as características da competição e inserir no treinamento.

A análise notacional é amplamente utilizada nos esportes com raquete. Trata-se de uma metodologia que permite gerar informações muito relevantes a partir de análises de vídeos da competição, adotando critérios pré-estabelecidos. Os principais alvos de investigação das análises notacionais nos esportes com raquete até hoje foram: a) fundamentos técnicos mais utilizados pelos atletas; b) área de colocação dos saques, recepções e ataques; c) tipos de movimentação (footwork) que antecedem o gesto esportivo; d) relação entre os fundamentos técnicos e o resultado do ponto (vencer ou perder); e) mensuração de variáveis da estrutura temporal do jogo. Existem outras variáveis que podem ser investigadas em uma análise notacional, de modo que citei algumas que já encontrei em trabalhos científicos realizados nos esportes com raquete.

Hoje o foco da coluna é a análise da estrutura temporal do tênis de mesa. Escolhi esse tema pois essa análise é um dos recursos disponíveis aos técnicos/mesatenistas mais baratos (basta ter cronômetros, um computador, os vídeos que deseja analisar e paciência pois são análises trabalhosas). Mas quais são as variáveis da estrutura temporal de um jogo de tênis de mesa? Existem diversas, mas as que vou enfatizar hoje são: a) duração do ponto (esforço); b) duração das pausas entre pontos (recuperação); c) duração total do jogo; d) tempo efetivo de jogo. Essas variáveis permitem prescrever treinamentos muito similares à competição, aumentando a probabilidade do mesatenista vivenciar as demandas fisiológicas de um jogo real durante os treinamentos. Logo, o treinador pode utilizar essas variáveis como base para planejar vários exercícios específicos durante o ano, conforme o calendário competitivo de cada equipe/mesatenista. Certo, e como incluir essas variáveis no treinamento? Para responder essa pergunta, vou adentrar rapidamente na literatura científica.

Diversos estudos podem ser encontrados sobre a estrutura temporal nos esportes com raquete, sendo a maioria no tênis de quadra, squash e badminton, mas pouquíssimos no tênis de mesa. Portanto, vale a pena mencionar novamente o artigo científico citado na última coluna intitulado “Physiological Responses and Characteristics of Table Tennis Matches Determined in Official Tournaments”, dos autores Zagatto, Morel e Gobatto, publicado em 2010. Nesse trabalho, os autores analisaram a estrutura temporal de jogos de mesatenistas brasileiros de nível regional e nível nacional. Eles concluíram que a média para a duração do ponto não apresentou diferenças estatísticas entre os dois níveis (3,6 segundos para o nível regional e 3,2 segundos para o nível nacional). Por outro lado, a média para a duração da recuperação entre pontos foi estatisticamente maior no nível nacional (9,3 segundos) em relação ao regional (7,0 segundos). Além disso, uma terceira variável chamada de tempo efetivo de jogo foi calculada, de modo que essa variável representa a divisão entre a soma de todos os pontos do jogo e o tempo total de jogo, ou seja, representa percentualmente quanto tempo da partida o mesatenista estava efetivamente jogando. No nível regional, essa variável correspondeu a 60,7% enquanto no nível nacional ela foi de 21,4%. Isso demonstra que considerando uma partida inteira, os mesatenistas de nível nacional “gastaram” muito mais tempo recuperando (78,6%) do que jogando (21,4%). Já os mesatenistas de nível regional “gastaram” mais tempo jogando (60,7%) do que recuperando (39,3%).

O que podemos concluir desses valores? Bom, além de apresentarem nível técnico superior, os mesatenistas de nível nacional utilizaram pausas mais duradouras após cada ponto, o que provavelmente permitiu melhor recuperação, preparação e concentração para os pontos seguintes. Ao considerar que os mesatenistas precisam vencer 5 jogos para chegar até a final de um torneio, imagine o atleta “X” que se jogou efetivamente somente 20% do tempo total de cada jogo, usando pausas mais duradouras para melhor recuperação, enquanto o atleta “Y” jogou efetivamente 60% do tempo total de cada jogo, pois descansou menos entre os pontos. Qual desses mesatenistas chegará à final com menor desgaste físico/metabólico? Em teoria será o atleta “X”, pois usou maiores intervalos de recuperação entre os pontos. Digo em teoria porque a recuperação depende muito da aptidão aeróbia do mesatenista (como mencionei no início da coluna hoje) e da duração/intensidade do ponto/partida. Mas, vamos considerar que os dois atletas possuem aptidão aeróbia e nível técnico similar, e as cinco partidas de cada atleta antes da final foram similares em relação ao nível dos adversários. O atleta “X” terá uma grande vantagem na final, pois certamente estará menos desgastado e terá melhores condições de utilizar seus recursos técnicos. O atleta que utiliza pausas longas entre os esforços permite que o seu sistema anaeróbio alático (ATP-CP) continue produzindo energia nos esforços sem que o sistema anaeróbio lático seja muito enfatizado, o que poderia trazer prejuízos para o desempenho do mesatenista.

Após falar um pouco sobre as variáveis temporais do jogo e sua relação com os metabolismos, como nós podemos aplicar esse conhecimento no treinamento técnico e na competição? Em Campo Grande/MS analisei a estrutura temporal de jogos de mesatenistas adolescentes da Associação Okinawa/Topspin (na qual trabalham os técnicos Ricardo Rieff e Gabriel Ota) e constatei que os mesatenistas recuperavam apenas 5 segundos entre os pontos. A partir disso, comentei com os atletas avaliados que mesatenistas brasileiros de nível nacional recuperavam em média 9,3 segundos entre pontos, de modo que sugeri a eles que utilizassem pausas maiores entre os pontos (mínimo de 10 segundos) nos campeonatos seguintes. Também sugeri aos técnicos da equipe que nos treinamentos realizados para simular a competição (principalmente nas semanas que antecedem torneios importantes) fossem utilizados exercícios com intervalos mínimos de 10 segundos entre os esforços, ou até mesmo pausas maiores em caso de exercícios muito intensos e com duração acima de 5 segundos. A partir dessa intervenção no tempo de recuperação em treinamento e competição, busquei o retorno dos técnicos sobre o desempenho dos atletas que adotaram essas sugestões.

 

GABRIEL OTA: “Após a intervenção, começamos a observar a diferença de tempo entre um ponto e outro. No começo, os alunos apenas contavam mentalmente e enrolavam com a intenção de apenas “passar o tempo”. Mas, de tanto falarmos e pararmos o treino para explicar a importância dessa pausa e eles adotarem esse tempo para bolar a tática para o próximo ponto (saque ou recepção), o rendimento e o aprendizado tanto em treinos como em competições teve um aumento abrupto. Inclusive no meu rendimento como jogador o uso de pausas maiores favoreceu meu desempenho nos campeonatos que estou disputando ao longo do ano.”

Os valores que citei para a recuperação entre esforços não devem ser usados como regra para todos os exercícios no treinamento ou para todos os atletas na competição, pois como falei anteriormente, a capacidade de recuperação depende da aptidão física do mesatenista e da duração/intensidade do esforço. Os atletas que são altamente condicionados aerobiamente poderão descansar menos entre os pontos quando comparados com atletas mal condicionados aerobiamente, e esforços de alta intensidade e média/longa duração exigirão maior tempo de recuperação para que o atleta mantenha um desempenho aceitável em termos de acerto/potência/precisão.

É extremamente difícil adotar uma “receita de bolo” em relação ao tempo de recuperação na competição e no treino, e justamente por isso, acredito que esforços devem ser feitos para identificar uma faixa de tempo que seja adequada para a recuperação em cada tipo de exercício (jogada, regularidade, lançamento) considerando o objetivo do treino e a aptidão física do mesatenista. Me baseando na literatura e na experiência prática como treinador (que ainda é curta), acredito que exercícios complexos e que exigem muita potência e/ou precisão devem ser realizados com pausas maiores (pelo menos 15 segundos entre cada esforço) que permitam ao mesatenista recuperar metabolicamente, principalmente se forem exercícios que simulam as condições de jogo (exercícios com saque e deslocamentos aleatórios, jogadas não-marcadas, jogos simulados), além de serem realizados no início da sessão de treino quando o mesatenista ainda está descansado. Nesses casos, acredito que o mesatenista deve se concentrar em executar o exercício com muita qualidade, pois se aumentar a recuperação entre os esforços ele certamente repetirá aquele treino menos vezes em um período de treinamento. Quanto mais intensos e duradouros forem os pontos jogados, utilize pausas também mais duradouras para recuperar-se fisiologicamente o máximo que puder, permitindo que seu desempenho técnico (precisão e potência nos golpes) não diminua. O mesmo vale para treinamentos em que o objetivo é manter o nível de precisão/potência nos golpes. No caso de exercícios que não demandam muita potência/precisão, mas sim regularidade, como exercícios em que o mesatenista executa 50 ou mais rebatidas consecutivas, penso que a recuperação entre as sequências pode ser até menor do que 10 segundos, desde que o mesatenista execute o exercício em uma intensidade moderada, que não induza uma queda no pH e aumento da ventilação (que pode ser notada pela sensação de queimação e caso o atleta fique muito ofegante). Lembrando que essa é uma opinião pessoal e que não temos ainda recomendações bem definidas para a recuperação após diferentes esforços no tênis de mesa, mas certamente vale a pena investigar a estrutura temporal do tênis de mesa de vários públicos (masculino, feminino, adulto, adolescente, infantil) e níveis (internacional, nacional, regional, municipal), usando esses dados ao nosso favor.

Por fim, apenas como curiosidade pois não são dados publicados, posso adiantar que nos jogos que tenho analisado dos mundiais 2009, 2011 e olímpiadas 2012 (somente quartas de finais, semifinais e finais), os mesatenistas de nível internacional que analisei (Zhang Jike, Wang Liqin, Wang Hao, Timo Boll, Ma Long, Ovtcharov, Chuan, Ma Lin, Chen Qi, Mizutani, Maze e outros) utilizam pausas entre esforços com mais de 20 segundos na grande maioria das vezes. Ou seja, além de serem os mesatenistas que alcançaram as melhores colocações nesses três grandes eventos internacionais e de provavelmente serem atletas com bons índices aeróbios que auxiliam na recuperação, esses mesatenistas utilizam pausas mais duradouras que os mesatenistas brasileiros de nível nacional. Será que não é o momento de adotar pausas maiores nos jogos que disputamos nos campeonatos nacionais? Será que não é interessante testar essas variáveis temporais no treinamento e comparar com outros treinamentos tradicionalmente utilizados nos clubes?

Pessoal, vou ficando por aqui, hoje o texto ficou extenso, entretanto considero o tema de grande aplicação no treinamento esportivo. Use o espaço dos comentários abaixo para criticar, sugerir, perguntar, etc. Recebi algumas dúvidas por facebook e por e-mail e gostaria que essas dúvidas fossem feitas na parte de comentários para que todos tenham acesso.
Para os interessados em obter os trabalhos científicos que falam sobre as análises notacionais, deixe seu e-mail nos comentários. Até a próxima coluna, quando falarei sobre um trabalho científico de pesquisadores chineses que analisaram vídeos dos principais jogadores chineses (sexo masculino e feminino).

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