A derrota por 3 sets a 0 para um argentino quase 40 anos mais novo pôs fim ao sonho de Luiz Henrique Medina de conquistar uma medalha individual em Guadalajara. Mesmo frustrado pelo revés, o paulista nem de longe ficou abalado.
Para quem superou uma lista considerável de deficiências físicas e a desconfiança sobre sua capacidade durante toda a vida, estar ali provando que todo sonho é possível já era uma grande vitória.
Kaíque, como gosta de ser chamado, nasceu sem os dois antebraços, a perna esquerda, o dedão do pé direto, a língua e o maxilar. Criado no Lar Escola São Francisco, em São Paulo, passou por mais de 40 cirurgias corretivas e superou um a um todos os obstáculos que surgiram no caminho. Enquanto trabalhava como auxiliar de fisioterapia, estudou Biologia na USP. Formado, passou em primeiro lugar em um concurso público para se especializar em citologia no Instituto Brasileiro Contra o Câncer (IBCC), e trabalhou como analista de câncer ginecológico na Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo por 30 anos.
– Como minha vida sempre foi em hospital e sempre fiz muitas operações, acabei criando um vínculo com o ambiente. Optei por fazer um curso mais ou menos nesta área para seguir no meio. Quando entrei na Secretaria, não tinha cota para deficientes. Fiz a prova com mais de 150 pessoas e tirei o primeiro lugar. Falavam que eu não podia fazer porque tinha que mexer com o microscópio. Pedi para me mostrarem como era, eu consegui mexer e deixei todo mundo pasmo. Ali viram que não podiam negar a ninguém o direito de tentar.
Longe do campo profissional, o paulista obteve a maior satisfação da vida. Criou sozinho o filho Igor, hoje com 21 anos. Kaíque afirma que Igor encarava sem problemas as perguntas dos coleguinhas sobre a deficiência do pai e que contava histórias fantasiosas para deixá-los mais interessados e quebrar o gelo.
– Com todas as deficiências que eu tenho, criar uma criança sozinho é realmente complicado. Mas graças a Deus tenho uma boa agilidade para as tarefas do dia a dia, então conseguia trocar fralda, fazer mamadeira, levar no hospital quando ele ficava doente. Quando eu o levava para a escola, as crianças perguntavam o que tinha acontecido com o pai, e ele falava que eu tinha lutado na Primeira Guerra Mundial. Elas não se convenciam muito, mas conversavam comigo normalmente, sem demonstrar nenhum preconceito.
Com a chegada da aposentadoria, o paulista encontrou no esporte uma forma de ocupar o tempo livre. Primeiro, tentou a natação, mas foi no tênis de mesa que se encontrou, conquistando o bronze no individual e a prata por equipes no Parapan do Rio. Para jogar, o atleta prende a raquete em torno do bíceps com uma faixa de velcro.
– A modalidade me proporciona agilidade física, agilidade mental, maior percepção e muitas viagens. Já conheci vários países do mundo todo, agora estou no México. Ele só acrescentou a meu favor. Temos sempre que procurar progredir e produzir, porque a vida é muito boa para ser desperdiçada. É precise ter sonhos e lutar por eles. Precisamos seguir em frente, porque atrás vem gente.
Fonte: Globoesporte.com